A partir da década de 1950, o economista argentino Raúl Prebisch (1901-86) analisou os riscos da dependência da América Latina dos caprichos das economias estrangeiras: os EUA, o Reino Unido, a China. Desde a época colonial, foi consignado à condição de produtor de matérias-primas, destinadas à importação de produtos acabados do Norte. Nas ex-colónias onde a classe média copia os padrões de consumo do Norte, cada aumento no rendimento nacional significa que as importações crescem mais rapidamente do que as exportações, em detrimento da balança de pagamentos. Prebisch recomendou o desenvolvimento da indústria local através da substituição de importações.
No Brasil, a terapia de choque do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) teve o objectivo oposto: a sua política facilitou as importações, o que supostamente estimularia a produtividade e a competitividade. Não importava se a balança comercial caísse no vermelho, as contas poderiam ser geridas atraindo capital especulativo estrangeiro, encorajado por altas taxas de juro.
Desde 2010, o preço global das matérias-primas caiu 40% e os preços do petróleo despencaram 60% entre junho de 2014 e janeiro de 2015. A reação foi rápida: em 2015, o crescimento estagnou no Equador e na Argentina, e diminuiu 3% no Brasil e 10% na Venezuela. Preocupados com relatórios mistos sobre as economias emergentes, os investidores estrangeiros repatriaram os seus fundos para o Norte. As conversas sobre aumentos das taxas de juro por parte do banco central dos EUA, a Reserva Federal, apenas aceleraram o processo. A taxa de 14.25% oferecida pelo Brasil (7% dela consumida pela inflação) não era mais suficiente para garantir um fluxo de capital suficiente para os investidores estrangeiros. De acordo com o Instituto de Finanças Internacionais, em 2015, os países emergentes registaram a maior fuga de capitais desde que o conceito de “emergência” foi inventado na década de 1980. O Brasil está entre os mais afetados. Embora alguns tenham comemorado a dissociação das economias do Sul das do Norte anos atrás, a balança de pagamentos do Brasil depende em grande medida da presidente da Reserva Federal, Janet Yellen.
Os governos progressistas, conscientes do mecanismo identificado por Prebisch, tentaram reequilibrar as suas economias estimulando os seus sectores industriais. Mais urgentemente, uma vez que a maioria dos seus líderes adoptaram uma ideia do movimento comunista: que nas nações subdesenvolvidas, a revolução deveria primeiro visar a emergência de uma burguesia; e que só depois desta fase anti-imperialista é possível trabalhar por uma revolução socialista.
A ideia de utilizar um grupo de empregadores contra outro pode parecer atraente. Mas será a modernização capitalista sempre algo de que o capital se esquiva? Rafael Uzcátegui, crítico da revolução bolivariana, escreve: “A hipótese […] é que a chegada ao poder na Venezuela de um presidente populista e carismático, que se assemelhasse a um caudilho, possibilita ao país […] adaptar-se às mudanças tornadas necessárias pelo processo globalizado de produção” (1). O seu raciocínio parece instável, uma vez que os esforços para estimular os industriais falharam até agora. O Presidente Hugo Chávez sofreu um golpe orquestrado, entre outros, pelo chefe dos patrões da Venezuela em 2002, e depois um bloqueio em 2003; Chávez reuniu 500 patrões em 2008 para propor um esforço nacional para relançar a produtividade. Num discurso de reconciliação, usou a palavra “aliança” mais de 30 vezes. Cinco anos depois, pouca coisa havia mudado. O seu sucessor, Nicolás Maduro, teve de reiniciar a iniciativa: “Estamos a lançar um apelo […] para construir um setor privado nacionalista”.
No Brasil, os esforços da presidente Dilma Rousseff para agradar os industriais foram aplaudidos pelo neoliberalismo. Veja revista: “O presidente fez tudo o que os empresários exigiram. Eles queriam taxas de juros mais baixas? Eles caíram para um nível recorde. Queriam uma taxa de câmbio que favorecesse as exportações? O dólar está acima de dois reais. Eles queriam uma queda nos salários? Foram reduzidos em vários setores da economia.” E ainda assim, nem a produção industrial nem o investimento privado aumentaram. Valter Pomar, militante do Partido dos Trabalhadores (PT), não se surpreende: “Os patrões têm um verdadeiro problema: são capitalistas. Não seria responsável por eles escolherem qualquer caminho que não fosse maximizar seus lucros.” A financeirização da economia eliminou a oposição entre capital industrial e especulativo. Apostar em produtos financeiros no Brasil ou apostar no câmbio na Venezuela é muito mais lucrativo do que investir na produção.
“Existem mil e uma maneiras de aumentar a demanda”, afirma o jornalista Breno Altman. “Poderia ser introduzido um salário mínimo, juntamente com programas sociais e serviços públicos. Aumentar a oferta […] acaba por ser um verdadeiro enigma, […] os governos dependem da boa vontade dos patrões.” Valter Pomar chegou à mesma conclusão: “Ou o Estado toma as mãos e aceita que haja um confronto com a classe média. Ou tenta convencê-los a seguir em frente sem ter certeza de que concordarão.”
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