Traduzido por Maria Garrido
O zapatismo se diferenciou da maioria das demais lutas sociais do nosso país porque tem sido um movimento de atores sempre construindo e propondo. Tendo a opção de se abrigar no evidente, na situação dos povos indígenas em nosso país, nas vítimas de 500 anos, nos pobres, nos permanentemente afetados, o Zapatismo escolheu não ser uma vítima, mas sim um ator, não apenas para resistir, mas propor, tornar-se ator do seu próprio caminho, do seu próprio caminhar.
Estas palavras não pretendem construir simpatia ou apoio nestes momentos em que as tensões estão elevadas entre a proposta zapatista e as ações tomadas pela esquerda institucional no México. Afirmar que o zapatismo é um movimento que propõe e não apenas que resiste, um movimento alimentado por atores que buscam continuamente sentido em suas ações e rejeitam ser apenas vítimas passivas, baseia-se na inegável existência dos chamados caracoles. O facto de os zapatistas terem conseguido propor a formação de espaços regionais (municípios autónomos) que têm como objectivo subjacente melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes, estabelecendo um princípio de autoridade nas juntas de boa governação em cada um dos cinco espaços local-regionais onde estabeleceram uma influência clara.
Esta discussão é relevante porque se torna evidente que há alguns aspectos da Outra Campanha que estão a colocar as propostas e as estratégias de reconstrução social a nível local-regional – exemplificadas na formação dos caracóis – num lugar secundário e construindo uma imagem em que excluídos (les damne's de la Terre) de todas as origens se aproximam do zapatismo e do Delegado Zero como os afetados e as vítimas pedindo-lhe que: “intervenha para que os presos políticos de Villaflores sejam libertados”; “intervir em Huixtla para reduzir as tarifas de energia elétrica e criar uma frente de resistência”; “intervir para que possamos conduzir as nossas bicicletas-táxi sem necessidade de pagar licença ao município”; “intervir para que o ejido de Lomas de Chapultepec, em Punta Diamante, Acapulco, recupere o terreno que foi desapropriado por Figueroa para desenvolver imóveis de luxo”…
Os espaços de diálogo que o zapatismo está tentando construir com a Outra Campanha, pelo menos durante os primeiros seis meses, não são espaços para dialogar com grupos da esquerda não institucional em torno de estratégias para construir consenso sobre o caminho anticapitalista que o nosso país deverá seguir num futuro próximo (aqueles grupos que estão a escassear neste país em regressão). Os espaços de diálogo que a Outra Campanha tenta construir transformar-se-ão numa mera discussão com as pessoas comuns, com os milhões de habitantes do nosso país que NÃO vão propor nada elaborado ou sistemático, mas que só estão preocupados com a sua subsistência imediata.
Na medida em que isso aconteça, é necessário desenvolver algum tipo de mecanismo para que os encontros com a Outra Campanha se diferenciem das viagens dos delegados políticos de Tlalpan, Iztapalapa, ou de qualquer outro município da nossa república, onde as reclamações e as necessidades prementes são infinitas (obviamente, nestas reuniões, os delegados políticos e os representantes municipais prometem ao seu eleitorado que, se obtiverem o seu voto e vencerem, resolverão todas estas reivindicações). No caso da Outra Campanha o mecanismo da votação não é, felizmente, um problema. No entanto, isso não nos ajuda a resolver o quebra-cabeça.
Já está ficando claro qual é o problema da Outra Campanha: ninguém que venha de fora e que se reúna apenas brevemente com as pessoas (de pasadita) resolverá qualquer um dos problemas de uma comunidade, localidade ou região. Esses problemas são extremamente complexos e exigem soluções de longo prazo. O zapatismo poderá continuar a ouvir a longa e interminável lista de reivindicações de cada comunidade, mas na minha opinião, acredito que se tornaria mais forte se mostrasse os sucessos moderados mas evidentes nas regiões zapatistas (Los Caracoles) e discutisse os diferentes mecanismos organizacionais e suas linhas de trabalho nas regiões por onde viaja, discutindo com clareza o tipo de apoio que é bem-vindo nas regiões zapatistas (da sociedade civil, por exemplo) e o tipo que não é aceito (do governo ou organizações relacionadas com o governo) e o que isso significa, ou para explicar a necessidade de romper todos os laços com instituições acadêmicas e governamentais e coisas deste tipo…
É evidente que queremos ver no nosso país actores colectivos organizados, proponentes, e não vítimas da resistência que se queixam da sua situação desesperadora.
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