As eleições para a Assembleia Nacional na Venezuela, em 26 de Setembro, deram uma visão interessante sobre o estado da luta de classes num país fortemente polarizado pelas mudanças revolucionárias lideradas pelo governo do Presidente Hugo Chávez.
O significado reside na votação que ocorreu após 11 anos da revolução bolivariana liderada por Chávez, que resultou em grandes melhorias nos padrões de vida da maioria pobre.
Este processo dividiu a sociedade venezuelana em termos de classe. Isto reflectiu-se nas repetidas tentativas da oposição de direita para derrubar o governo eleito de Chávez por todos os meios necessários – e nos pobres que saíram às ruas para derrotar estas tentativas apoiadas pelos EUA.
A oposição boicotou as eleições para a Assembleia Nacional de 2005, mas desta vez empreendeu uma campanha feroz, com financiamento dos EUA, que incluiu mentiras nos meios de comunicação social e sabotagem económica. A oposição pretendia quebrar a poderosa relação entre Chávez e o povo.
A Colômbia, com o apoio dos EUA, lançou uma série de provocações contra a Venezuela em Agosto que levou os dois países à beira da guerra. Existe também um estado permanente de guerra semicivil em estados próximos da fronteira com a Colômbia devido à infiltração de paramilitares colombianos.
À luz disto, os resultados podem ser vistos como uma vitória agridoce para as forças revolucionárias e uma derrota para a oposição – mas que lhe deu um sabor de vitória.
Dos 165 assentos, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) de Chávez ganhou 95 e o aliado Partido Comunista Venezuelano (PCV) ganhou três. A oposição de direita financiada pelos EUA, agrupada na Mesa Redonda da Unidade Democrática (MUD), conquistou 65 assentos.
O Partido Pátria para Todos (PPT), que recentemente rompeu com o governo Chavez, apresentou-se como uma “terceira força” e conquistou dois assentos.
O PSUV obteve uma clara maioria, mas ficou aquém do seu objectivo de conquistar dois terços de todos os assentos. É necessária uma maioria de dois terços para aprovar leis “orgânicas” (inteiramente novas). Isto tornará mais difícil fornecer um quadro jurídico para aprofundar as mudanças radicais em curso.
Além disso, o voto popular foi mais próximo do que a distribuição final dos assentos. Na votação nacional para o parlamento latino-americano, o PSUV obteve 5,268.939 (46.7%) e o MUD obteve 5,077,043 (45%).
Na votação das listas partidárias a nível estadual, das quais estão atribuídos 52 dos 165 assentos, o PSUV obteve 5,422,040 votos e o MUD 5,320,175.
Se a votação for dividida área por área, fica claro que a oposição fez alguns avanços importantes.
Não há dúvida de que factores locais (descontentamento com os membros titulares ou ressentimento em relação aos candidatos que ganharam a pré-selecção do PSUV através de práticas corruptas) afectaram os votos em diferentes eleitorados.
Mas estas eleições também foram polarizadas a nível nacional. Ambos os lados viram a votação como um passo em direção às eleições presidenciais de 2012.
A oposição aumentou os seus votos nos estados que fazem fronteira com a Colômbia. O MUD venceu a votação na lista estadual de Zulia por 54.8% a 44.4% (em comparação com 53.3% a 45.2% nas eleições para governadores de 2008).
Em Táchira, obteve 56.5% a 42% (em comparação com 49.4% a 48.1% na votação para governador de 2008).
O PSUV conquistou mais deputados que o MUD no estado de Carabobo, controlado pela oposição, e empatou em Miranda. No entanto, a oposição realmente ganhou o voto popular em ambos os estados.
Em Zulia, contudo, a oposição conquistou 13 dos 16 assentos, apesar de ter obtido apenas 54% dos votos.
A oposição venceu por pouco o voto popular no Distrito Capital de Caracas.
A votação indica que, no meio de uma polarização acentuada, há pouco espaço para forças que procurem um meio-termo.
À medida que a revolução se tornou mais radical, alguns grupos romperam com ela. Apresentando-se como alternativas moderadas, grupos como o Podemos e agora o PPT acabaram esmagados entre as duas principais forças que defendem a revolução socialista ou a contra-revolução pró-capitalista.
Isto também é verdade para aquelas correntes que tentaram apresentar-se como alternativas de “esquerda” ao movimento boliviano (alguns dos quais concorreram com o PPT na última votação).
Apesar de não ter conseguido impedir que os apoiantes da revolução conquistassem a maioria dos assentos, a oposição foi encorajada pela sua forte atuação.
Declarando que “Chávez está em minoria” e que o povo “não quer o caminho radical do governo”, espera promover a mentira, iniciada antes das eleições, de que a oposição realmente ganhou, mas teve votos roubados através de intimidação ou de uma eleição eleitoral injusta. sistema.
Ao fazê-lo, pretende energizar a sua base e manter unida a sua frágil aliança de grupos, em preparação para novos confrontos.
Também procura isolar o governo Chávez a nível internacional.
A oposição espera usar os seus números na assembleia para bloquear legislação com o argumento de que o governo não tem mandato. Pretende também usar a assembleia como plataforma para atacar Chávez e mobilizar a sua base.
Isto ocorre no contexto de uma ofensiva do imperialismo norte-americano que levou ao golpe de Estado bem-sucedido nas Honduras no ano passado, às novas bases militares dos EUA na Colômbia e à atividade militar na região.
Em 30 de setembro, apenas quatro dias após as eleições venezuelanas, o presidente equatoriano de esquerda, Rafael Correa, sobreviveu a uma tentativa de golpe de estado graças a protestos em massa e às ações de soldados leais.
Como disse Chávez, os resultados eleitorais foram uma “vitória sólida” e “suficientes para continuar a aprofundar o socialismo democrático e bolivariano”.
No entanto, com o PSUV negado uma maioria de dois terços, isso também significa que o caminho de menor resistência para uma mudança radical está agora bloqueado. Incapazes de contar com o controlo total da assembleia, as forças revolucionárias terão de fortalecer a mobilização popular.
A votação nacional renhida é outro sinal de alerta dos problemas internos que a revolução enfrenta – problemas que a oposição, apoiada por fundos dos EUA e pelo controlo da maioria dos meios de comunicação social, foi capaz de explorar.
Os abusos burocráticos e a corrupção estão a minar a revolução a partir de dentro e a corroer os seus ganhos.
No entanto, apesar destes problemas, mais de 5.4 milhões de pessoas votaram a favor do avanço da revolução socialista. Fizeram-no apesar da ameaça de guerra, do impacto da crise económica global, da escassez de alimentos criada pelo capitalismo, de uma grave crise energética e de uma ofensiva sustentada dos meios de comunicação social corporativos.
Isto demonstra que a revolução tem uma base social poderosa com a qual pode impulsionar o aprofundamento do processo rumo ao socialismo.
A organização popular local durante a campanha eleitoral ajudou a fortalecer o PSUV, que mais uma vez funcionou como uma escola política para centenas de milhares de activistas.
O papel de Chávez foi fundamental. Mais uma vez, foi forçado, pelos problemas internos do PSUV, a carregar a maior parte do peso da campanha.
O processo revolucionário converteu a Venezuela numa escola de educação política. Para milhões de pessoas, a actividade política tornou-se parte da vida quotidiana, apesar dos problemas e obstáculos.
Deu novamente um significado real ao projecto do socialismo como um movimento vivo pela mudança composto por milhões de venezuelanos comuns que lutam por um mundo melhor.
Este movimento será agora forçado a seguir o caminho de novos confrontos, à medida que o desejo popular de mudança se depara com o peso das velhas instituições que a revolução herdou.
Não há dúvida de que o “velho Estado que se recusa a morrer”, como Chavez o descreveu, entrará em conflito ainda mais vigorosamente com o movimento revolucionário de massas, cuja força se baseia na crescente organização dos trabalhadores e da comunidade.
É extremamente necessário um impulso renovado para fortalecer os novos órgãos do poder popular, como parte de uma ofensiva contra o velho Estado.
Esta luta exige reunir as forças populares numa corrente revolucionária dentro do PSUV, na qual forças mais de direita ainda têm muito peso. Tal corrente poderia assumir a liderança no debate público iniciado pelos resultados eleitorais sobre qual o caminho necessário para construir o socialismo.
Para que a revolução avance, é necessário que haja um impulso para expandir e aprofundar a democracia. Isto poderia ajudar a transformar pessoas de objectos simplesmente chamados a votar em representantes que, em muitos casos, não representam os seus interesses, em verdadeiros sujeitos que definem o seu próprio destino.
Um passo importante seria a aprovação pela actual Assembleia Nacional – que se reúne até Janeiro – de uma lei laboral há muito adiada que cria um quadro jurídico para a criação de conselhos de trabalhadores.
O que acontecerá no próximo período dependerá não apenas dos acontecimentos na Venezuela, mas também da situação internacional. O imperialismo norte-americano, apanhado numa grave crise económica, procura reafirmar-se como uma potência militar global.
Neste contexto, a proposta de Chávez, levantada no ano passado mas colocada em segundo plano pelas necessidades internas da revolução venezuelana, de uma Quinta Internacional Socialista que reúna partidos socialistas, correntes e movimentos sociais de todo o mundo torna-se mais importante.
[Baseado em notas para uma palestra em 28 de setembro Aliança Socialista reunião pública em Sydney.]
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