O Estado de direito e a independência do poder judicial são conquistas frágeis em muitos países — e suscetíveis de retrocessos bruscos.
O Brasil, o último país do mundo ocidental a abolir a escravatura, é uma democracia relativamente jovem, tendo emergido de uma ditadura há apenas três décadas. Nos últimos dois anos, o que poderia ter sido um avanço histórico – o governo do Partido dos Trabalhadores concedeu autonomia ao poder judicial para investigar e processar a corrupção oficial – transformou-se no seu oposto. Como resultado, a democracia do Brasil está agora mais fraca do que esteve desde o fim do regime militar.
Esta semana, essa democracia poderá sofrer ainda mais erosão, à medida que um tribunal de apelação composto por três juízes decidir se a figura política mais popular do país, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, será impedido de competir nas eleições presidenciais de 2018. , ou mesmo preso.
Não há muita pretensão de que o tribunal será imparcial. O juiz presidente do painel de apelação já elogiou a decisão do juiz de primeira instância de condenar o Sr. da Silva por corrupção como “tecnicamente irrepreensível”, e a chefe de gabinete da juíza postou em sua página no Facebook uma petição chamada pela prisão do Sr. da Silva.
O juiz de primeira instância, Sérgio Moro, demonstrou em diversas ocasiões seu partidarismo. Ele teve que se desculpar com a Suprema Corte em 2016 por liberação conversas grampeadas entre Lula e a presidente Dilma Rousseff, sua advogada, sua esposa e filhos. O juiz Moro organizou um espetáculo para a imprensa em que a polícia apareceu na casa do Sr. da Silva e o levou para interrogatório - embora o Sr. da Silva tivesse dito ele reportaria voluntariamente para questionamento.
As provas contra Lula estão muito abaixo dos padrões que seriam levados a sério, por exemplo, no sistema judicial dos Estados Unidos.
Ele é acusado de ter aceitado suborno de uma grande construtora, chamada OAS, que foi processada no esquema de corrupção “Lava Jato” do Brasil. Esse escândalo multibilionário envolveu empresas que pagaram grandes subornos a funcionários da empresa petrolífera estatal, a Petrobras, para obter contratos a preços extremamente inflacionados.
A propina supostamente recebida pelo Sr. da Silva é um apartamento de propriedade da OAS. Mas não há provas documentais de que o Sr. da Silva ou a sua esposa alguma vez tenham recebido o título, alugado ou mesmo permanecido no apartamento, nem que tenham tentado aceitar este presente.
As provas contra Lula baseiam-se no depoimento de um executivo da OEA condenado, José Aldemário Pinheiro Filho, que teve sua pena de prisão reduzida em troca de fornecer provas ao Estado. De acordo com reportagem do importante jornal brasileiro Folha de São Paulo, o Sr. Pinheiro foi impedido de negociar a delação premiada quando originalmente contou a mesma história que o Sr. da Silva sobre o apartamento. Ele também passou cerca de seis meses em prisão preventiva. (Essa evidência é discutida no Documento de sentença de 238 páginas.)
Mas essas escassas evidências foram suficientes para o juiz Moro. Em algo que os americanos poderiam considerar um processo judicial canguru, ele condenou Lula a nove anos e meio de prisão.
O Estado de Direito no Brasil já havia sofrido um golpe devastador em 2016, quando a sucessora de Lula, Dilma Rousseff, eleita em 2010 e reeleita em 2014, sofreu impeachment e foi destituída do cargo. A maior parte do mundo (e possivelmente a maior parte do Brasil) pode acreditar que ela sofreu impeachment por corrupção. Na verdade, ela foi acusada de uma manobra contabilística que fez temporariamente com que o défice orçamental federal parecesse menor do que poderia parecer de outra forma. Foi algo que outros presidentes e governadores fizeram sem consequências. E o próprio promotor federal do governo Concluído que não foi um crime.
Embora houvesse funcionários envolvidos em corrupção de partidos de todo o espectro político, incluindo o Partido dos Trabalhadores, não houve acusações de corrupção contra Dilma Rousseff no processo de impeachment.
Lula continua a ser o favorito nas eleições de Outubro devido ao sucesso dele e do partido em reverter um longo declínio económico. De 1980 a 2003, a economia brasileira quase não cresceu, cerca de 0.2 por cento anualmente per capita. Lula assumiu o cargo em 2003, e Dilma Rousseff em 2011. Em 2014, a pobreza havia sido reduzido em 55 por cento e a pobreza extrema em 65 por cento. O salário mínimo real aumentou 76 por cento, os salários reais em geral aumentaram 35 por cento, o desemprego atingiu mínimos históricos e a infame desigualdade no Brasil finalmente caiu.
Mas em 2014 começou uma recessão profunda e a direita brasileira conseguiu aproveitar a crise para encenar o que muitos brasileiros consideram um golpe parlamentar.
Se Lula for excluído das eleições presidenciais, o resultado poderá ter muito pouca legitimidade, como aconteceu nas eleições hondurenhas de Novembro, que foram amplamente vistas como roubadas. Uma pesquisa do ano passado descobriu que 42.7% dos brasileiros acreditavam que Lula estava sendo perseguido pela mídia e pelo judiciário. Uma eleição não credível poderia ser politicamente desestabilizadora.
Talvez o mais importante seja o facto de o Brasil se ter reconstituído como uma forma muito mais limitada de democracia eleitoral, na qual um poder judicial politizado pode excluir um líder político popular de concorrer a um cargo público. Isso seria uma calamidade para os brasileiros, para a região e para o mundo.
Mark Weisbrot, codiretor do Centro de Pesquisa Econômica e Política em Washington e o presidente da Apenas política externa, é autor de “Fracassado: O que os 'especialistas' erraram sobre a economia global. "
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