Lula quase conseguiu uma vitória no primeiro turno nas eleições presidenciais do Brasil, mas é quase certo que vencerá o segundo turno em 27 de outubro. Com 99 por cento das pesquisas informando que Lula tem 46.4 por cento dos votos. Todos, exceto um pequeno canto do país, estão pintados de vermelho num mapa eleitoral que mostra onde Lula ganhou por pluralidade. Ciro Gomes, um populista que ficou em quarto lugar com 12% dos votos, já deu seu apoio a Lula no segundo turno.
“Os ativistas do Partido dos Trabalhadores estão maravilhados”, relata Marcela Escribano da Alternatives, uma ONG com sede em Montreal que trabalha em estreita colaboração com os movimentos populares no Brasil. Escribanon manteve contato com pessoas da campanha de Lula durante a noite. “Não é só a vitória de Lula, mas também o aumento massivo do voto do PT nas eleições para governadores e estaduais. Também aumentaram suas cadeiras no Senado de três para onze.”
Haverá segundo turno para governadores da maioria dos estados. Embora tudo possa acontecer num segundo turno, não há dúvida de que haverá uma mobilização massiva dos movimentos populares no Brasil com a vitória tão próxima.
A vitória de Lula será um ponto de viragem crítico para a esquerda, não só na América Latina, mas em todo o mundo. O PT desenvolveu um novo rumo para a esquerda no governo. Quando esteve em Toronto, há alguns anos, Lula explicou que diante do fracasso da social-democracia e do comunismo, era necessário criar um novo caminho para a esquerda.
“Onde estamos no poder”, disse Lula a uma plateia lotada no auditório da OISE, “viramos o neoliberalismo de cabeça para baixo. Esse é o nosso ponto de partida. Partimos das necessidades das pessoas, não das necessidades do capital.” O PT e outros grupos de esquerda controlam agora mais de cem municípios, incluindo a maioria das grandes áreas urbanas, como São Paulo, Recife, Belém e Porto Alegre.
Enquanto a grande mídia se esforça para explicar o quão moderado Lula se tornou nos últimos anos, o PT está profundamente enraizado nos movimentos sociais do Brasil, particularmente no Movimento dos Sem Terra (MST) e na CUT (Federação Sindical do Brasil). Além disso, o próprio PT é uma aliança de partidos de esquerda que inclui um amplo espectro, desde social-democratas até trotskistas.
Mais importantes, porém, são as novas formas de democracia que o PT desenvolveu onde esteve no poder. O Orçamento Participativo em Porto Alegre, uma cidade no sul do Brasil, tornou-se um modelo de envolvimento cidadão estudado por políticos municipais e acadêmicos em todo o mundo. Todos os novos gastos em Porto Alegre e outras cidades governadas pelo PT são decididos por assembleias de cidadãos organizadas primeiro por região e depois por toda a cidade.
“Não é apenas um novo governo municipal que está sendo construído aqui”, explica Edmilson Brito Rodrigues, prefeito de Belém (população: 1 milhão), “é uma nova forma de governar”.
Para o PT, a participação democrática dos cidadãos está no centro de uma nova política de esquerda. A vitória de Lula no primeiro turno das eleições presidenciais é um sinal da popularidade deste tipo de política. Noutras partes do país onde o PT está no poder, estão a experimentar formas ainda mais amplas de democracia participativa, como as Assembleias Populares.
Consciente das pressões do capital e dos Estados Unidos, o PT tem organizado uma base de solidariedade internacional. O Fórum Social Mundial realizado em Porto Allegre nos últimos dois anos envolveu dezenas de milhares de ativistas que viram em primeira mão o novo tipo de mundo criado sob um governo do PT. Até os anarquistas, profundamente desconfiados de qualquer governo, ficaram impressionados com a participação popular no orçamento de Porto Alegre.
O próprio Lula também é um símbolo poderoso. Numa sociedade profundamente dividida em classes, Lula seria a primeira pessoa da classe trabalhadora a liderar o Brasil. Suas origens modestas e sua conexão incrivelmente carismática com o povo do Brasil significam que sua eleição proporcionará uma sensação de empoderamento aos pobres e impotentes do Brasil que é difícil de superestimar.
Quando estive em Porto Alegre em janeiro passado para o Fórum Social Mundial participei de um comício do PT onde Lula discursou. É difícil explicar o efeito que ele causa. Ele falou de forma muito simples por menos de dez minutos, mas no final todos na sala tinham um enorme sorriso no rosto. Senti como se tivesse acabado de receber um abraço tremendo do meu tio preferido e nem entendo português. É verdade que Lula se moveu um pouco para a direita para garantir uma vitória eleitoral e acalmar as forças do capital que poderiam criar uma catástrofe económica no Brasil. Mas como João Pedro Stedile, líder nacional do Movimento Sem Terra (MST) do Brasil disse à multidão na semana passada “O PT adoptou uma táctica eleitoral que não é de esquerda. É uma tática central. Teve suas razões. Mas acredito que a vitória de Lula, mais do que as alianças, representará um símbolo para as pessoas despolitizadas que descobrirão que se tornaram realidade e se levantarão. Portanto, uma vitória de Lula poderia estimular uma nova ascensão do movimento de massas no Brasil, que está em retrocesso há mais de dez anos.” Stedile também destacou a importância da vitória de Lula para a América Latina. “Se Lula vencer isso representaria uma mudança na relação das forças políticas em todo o continente. Os Estados Unidos sabem que não teriam então um governo servil – que este governo negociará, mas não se curvará. E acima de tudo, a nossa vitória inspiraria o ressurgimento do movimento de massas no Brasil e em outros países da América Latina. É isso que esperamos ou esperamos que aconteça”, disse ele à multidão numa entrevista na semana passada. Portanto, as três semanas entre o primeiro e o segundo turno serão um verdadeiro teste à capacidade de mobilização dos movimentos de massas. É esta mobilização que garantirá que a pressão de Lula a partir do terreno possa contrariar a pressão inevitável do capital e dos seus servidores políticos. O único revés nas eleições de ontem ocorreu no estado do Rio Grande del Sul, onde o governador do PT ficou em segundo lugar, atrás de um virtual desconhecido. Haverá um segundo turno nesta eleição, mas os militantes do PT veem este resultado como um sério retrocesso.
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Judy Rebick é a editora de www.rabble.ca. Este artigo apareceu pela primeira vez no ralé.
Judy Rebick
Cátedra CAW-Sam Gindin em Justiça Social e Democracia
Universidade Ryerson
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