No dia 16 de Dezembro, activistas operários de toda a antiga União Soviética e da Europa Ocidental assinalarão com protestos o segundo aniversário do massacre policial dos trabalhadores petrolíferos em Zhanaozen, no oeste do Cazaquistão. O massacre pôs fim a um movimento grevista de sete meses que exigia melhores salários e condições e o direito de organizar sindicatos independentes. (Detalhes sobre um protesto em Londres SUA PARTICIPAÇÃO FAZ A DIFERENÇA.)
O governo cazaque admite que 16 pessoas foram mortas e 60 ficaram feridas no massacre de Zhanaozen. Mas os activistas no Cazaquistão acreditam que os números eram muito mais elevados.
Nesta entrevista, TATIANA M., activista num sindicato independente noutra parte do Cazaquistão, fala sobre Roza Tuletaeva, a activista petrolífera que cumpre uma das penas mais longas, e como a solidariedade pode ser reconstruída.
G.L. É correcto dizer que a questão da formação de organizações sindicais independentes era central para o movimento dos trabalhadores petrolíferos?
MT. Sim certamente. Vários sindicatos independentes surgiram no campo petrolífero durante a greve. Não foram empurrados de fora, apenas tomaram forma entre os trabalhadores petrolíferos.
Apareceram “negociadores”: pessoas das organizações sindicais independentes, líderes informais, que impunham respeito entre os trabalhadores. Eles conseguiram negociar com os empregadores em nome dos trabalhadores. E eles usaram essa prática com grande efeito. Os trabalhadores petrolíferos começaram a utilizar este tipo de “negociadores” em 2008 e ganharam algumas concessões significativas – aumentos salariais e melhorias nas condições.
G.L. Roza Tuletaeva, a ativista que agora cumpre pena de cinco anos de prisão, esteve envolvida com este movimento, não foi?
MT. Sim, Roza foi um desses “negociadores”, um líder informal. As pessoas confiavam nela; os trabalhadores seguiram seu exemplo; ela teve influência em todo o processo. O que quer que alguém pensasse dela, eles tinham que ouvir o que ela dizia, porque ela tinha essa influência. Sem dúvida foi por isso que a levaram a julgamento e a prenderam.
G.L. É incomum ver uma mulher ativista assumindo a liderança numa indústria tão dominada pelos homens?
MT. Não, não é tão incomum no oeste do Cazaquistão. Noutras regiões do Cazaquistão, os ativistas tendem a ser homens: é menos comum ver mulheres em posições de liderança. Mas nas áreas ocidentais, onde a maioria das pessoas vem da Junior Zhuz [a Horda Júnior, um dos três grupos históricos de clãs entre o povo cazaque], é bastante comum ver mulheres assumindo a liderança. As pessoas lá são tradicionalmente combativas, amantes da liberdade, conscientes dos seus direitos… talvez seja justo dizer que, pela sua natureza, são mais activas. E o papel desempenhado pelas mulheres nessas comunidades é muito significativo.
As mulheres do campo petrolífero tomaram uma posição muito clara durante a greve pelos seus direitos. Quando os seus maridos, filhos e irmãos eram espancados e presos, as mulheres saíam para as reuniões e manifestações. Organizaram acções de protesto, especialmente quando consideraram que os homens da comunidade tinham sido detidos ilegalmente pelas forças de segurança.
G.L. Eram estas mulheres que trabalham na indústria petrolífera ou eram esposas e companheiras de trabalhadores petrolíferos?
MT. Ambos. Certamente, as esposas e companheiras dos trabalhadores participaram. Mas as mulheres que são trabalhadoras também eram ativas. As companhias petrolíferas são os únicos empregadores nessa área. Famílias inteiras trabalham nessas empresas. As pessoas encontram trabalho onde podem – e no oeste do Cazaquistão, isso significa na indústria petrolífera. As comunidades de lá são muito unidas: quando algo acontece, sentem que estão todos juntos e lutam juntos pelos seus direitos.
Agora é difícil – difícil nas actuais circunstâncias – para essas comunidades muito unidas confiarem em pessoas de fora, permitirem a entrada de pessoas de fora. E então eles começarão a trabalhar juntos. E acho que as mulheres podem fazer isso de forma mais eficaz. Serão as mulheres activistas que poderão reconstruir a relação entre os trabalhadores petrolíferos e o resto do movimento, que poderão estabelecer contacto com as pessoas em Zhanaozen.
G.L. Você poderia explicar a diferença entre os sindicatos independentes e os sindicatos “amarelos” (pró-governo)?
MT. Existem três federações sindicais no Cazaquistão. A Federação dos Sindicatos da República do Cazaquistão é o antigo centro sindical [soviético]. Continuou no Cazaquistão independente, sem alterar nem um pouco a sua função nas relações laborais. Depois, há a nossa Confederação de Sindicatos Livres do Cazaquistão, que começou a organizar-se novamente na sequência do movimento de protesto dos últimos anos. E há a Confederação do Trabalho [outro agrupamento sindical independente] e alguns outros grupos sindicais independentes mais pequenos. Os sindicatos independentes têm enfrentado ataques constantes da Federação dos Sindicatos.
No oeste do Cazaquistão, no campo petrolífero, existem mais de 30,000 membros de sindicatos afiliados à Federação em 90 empresas diferentes. Nos últimos anos, sindicatos independentes, independentes, também surgiram ali. Mas ao abrigo dos acordos laborais [com as companhias petrolíferas], apenas os sindicatos filiados na Federação são reconhecidos.
Quando o movimento de protesto dos trabalhadores petrolíferos começou [em 2011], as pessoas começaram a realizar greves ilegais. … Segundo a lei, você entende, para organizar qualquer tipo de protesto ou ação no Cazaquistão, você precisa obter permissão. Com essa permissão, uma greve ou ação é legal. Se não obtivermos permissão, a ação será considerada ilegal. Então é muito difícil organizar qualquer coisa.
Quando os trabalhadores petrolíferos começaram a deslocar-se, fizeram-no ilegalmente. A Federação não participou. O líder da Federação, [Siyazbek] Mukashev, não deu apoio aos trabalhadores petrolíferos. Ele os denunciou, amaldiçoou-os, chamou-os de todos os nomes debaixo do sol. Ele disse que eles não tinham o direito de entrar em greve e que teriam que responder por suas próprias ações. Em suma, ele ficou ao lado do governo. Ele não fez nenhum esforço sequer para organizar negociações ou fazer com que os lados em disputa conversassem entre si. Ele simplesmente ficou do lado dos empregadores. Foi isso.
Após o [massacre de manifestantes em Zhanaozen em] 16 de Dezembro [2011], os líderes da Federação não tiveram uma palavra de crítica ao governo ou às forças de segurança. Eles simplesmente condenaram os trabalhadores. O papel que a Federação desempenhou foi simplesmente horrível. Não pode ser chamado de sindicato, ficando do lado do Estado desta forma.
G.L. E a nova lei sindical que foi elaborada?
MT. O projecto de lei prevê a existência de apenas uma federação sindical no Cazaquistão. Ter um grande número de sindicatos diferentes como temos agora torna as coisas difíceis para o governo. Para se proteger, o governo quer ter uma estrutura unitária, parte do sistema vertical de poder, uma estrutura subordinada ao Estado. Para eles, não deveria haver outros sindicatos.
G.L. Posso perguntar-lhe novamente sobre os acontecimentos de 16 de Dezembro de 2011? Como reagiu o movimento operário como um todo?
MT. As pessoas ficaram aterrorizadas. Houve horror – horror, pelo facto de as forças de segurança terem acabado de abrir fogo contra as pessoas. É claro que não sabíamos exatamente o que havia acontecido. [O Cazaquistão tem aproximadamente o tamanho da Europa Ocidental e muitas das cidades maiores ficam a milhares de quilómetros do campo petrolífero.] Imediatamente todos os contactos foram cortados: os telemóveis deixaram de funcionar em Zhanaozen e a Internet; eles não permitiram a entrada de jornalistas; não houve transmissões de lá. Quase todas as notícias chegavam até nós através dos canais de TV estatais. Então não sabíamos exatamente o que estava acontecendo. Não sabíamos quantas pessoas foram mortas ou feridas.
G.L. E agora, dois anos depois?
MT. Sabemos que foram enviadas para lá forças de segurança, determinados regimentos, de todas as regiões, para reprimir a greve. Mas ainda não sabemos o que aconteceu na própria cidade.
G.L. E o número de vítimas? A imagem está mais clara?
MT. Tudo o que temos com certeza é o que o governo disse. Muita gente acredita que houve um número muito maior de vítimas, que muitas morreram.
G.L. A minha impressão, olhando de fora, é que grande parte da limitada liberdade de imprensa que existia até ao ano passado foi eliminada no ano que se seguiu ao massacre.
MT. Isso mesmo. Não há imprensa livre para falar agora. Há Respublika [A República], um jornal independente, que tenta continuar… mas por todo o lado estão a fechar jornais. É muito difícil para as pessoas se manterem informadas sobre o que está acontecendo.
Há uma ligação direta entre o que aconteceu com a imprensa e o que aconteceu em Zhanaozen. Durante sete meses esses trabalhadores estiveram em greve. Ninguém no governo estava preparado para conduzir qualquer diálogo com eles. Ninguém do governo foi lá, nenhum deles se interessou em tentar resolver a situação. E, ao mesmo tempo, a imprensa da oposição escrevia sobre o que estava a acontecer, quais eram as exigências dos grevistas, lembrando às pessoas sobre o conflito ali. E é claro que o Estado queria encontrar alguém para culpar [e a imprensa da oposição era um bom alvo]. Assim, após a repressão aos trabalhadores, houve uma repressão aos políticos que os apoiaram e à imprensa.
G.L. No dia 10 de Dezembro, dia do aniversário de Roza Tuletaeva, e também do Dia Internacional dos Direitos Humanos, os sindicatos independentes lançarão uma campanha para exigir a sua libertação e a libertação dos outros activistas Zhanaozen presos. E no dia 16 de Dezembro o nosso dia internacional de protesto chamará a atenção para estes casos. Esperamos que isso ajude os ativistas no Cazaquistão.
? O original deste artigo é SUA PARTICIPAÇÃO FAZ A DIFERENÇA. Um artigo mais longo analisando a greve de 2011 é SUA PARTICIPAÇÃO FAZ A DIFERENÇA.
? Detalhes sobre o protesto de segunda-feira, 16 de dezembro, e outras informações, SUA PARTICIPAÇÃO FAZ A DIFERENÇA. Junte-se um grupo aberto no Facebook aqui.
ZNetwork é financiado exclusivamente pela generosidade de seus leitores.
OFERTAR